Há algum tempo venho me
observando diante de uma situação que tem produzido certa estranheza: minha
escrita se calou! Nada que não aconteça vez ou outra, até porque toda produção
é cíclica, e a escrita não é – ou para mim nunca foi – uma exceção a esses
movimentos ondulares das tantas faces que compõem nossas vidas. A parte
interessante desse silêncio, especialmente para um praticante de psicanálise, é
conseguir apreender algo de si a partir do que fazemos, ou do que deixamos de
fazer – temporariamente, nesse caso. A observação do silêncio como um momento,
algo temporário e passageiro, em si já denuncia duas coisas: o desejo de seguir
escrevendo (e o temor ligado, por oposição, ao silêncio como fim) e o saber de
outras palavras que encontraram sua calada definitiva. Pois é certo que já
experimentei o silêncio em tantas outras expressões que um dia falaram muito de
mim.
Hoje eu tive um dia delicioso, em
companhia de minha esposa e meu afiliado – o Dado – no clube. Jogamos bola,
fazendo uso de uma certa licença poética para chamar aquilo que eu faço dentro
de um campo de futebol de jogar bola. Há momentos em que realmente é difícil
discernir, ao olhar para mim e a bola, quem está movimentando quem. Vou deixar
de lado o exagero crítico e evitar – exibindo – a piada de que, mesmo a forma,
parecem me colocar diante da bola muito mais na condição de um fiel companheiro
do que de alguém que tem a habilidade de fazê-la rolar levemente sobre a grama
verde. Mas afinal, a companhia e a possibilidade de continuar tentando servem
como uma fonte de prazer, a despeito da dor nas costas que agora começa a me
maltratar.
Depois de lutar bravamente para
não envergonhar meu querido afilhado, almoçamos na lanchonete do clube e fomos
ver, ainda nas dependência do clube, o filho de um casal de amigos enfrentar o
Corinthians, em um jogo – esse de verdade – de meninos da categoria “sub-12”....
ou seja, jovens atletas de até 12 anos de idade. Apesar de estar absolutamente
ciente de que, caso eu jogasse em um daqueles times, eu certamente prejudicaria
seu desempenho, isso não me incomodou, e pude me divertir... afinal, embora
sempre tenha praticado e goste muito de esportes, futebol e eu nunca experimentamos
uma relação de grande intimidade. Sempre coube a mim um nobre lugar no banco de
reservas e nas arquibancadas dos estádios, que ainda freqüento com grande
alegria.
No final do dia, quando já
estávamos prestes a ir embora, fui buscar o Dado nas quadras, mas ele não
estava mais jogando futebol: estava em uma quadra de basquete. Bem, aí as
coisas mudam de figura, pois fui um jogador apaixonado em toda a minha
juventude, e o banco não era o meu lugar preferido. Esse foi um dos esportes em
que o conjunto quadra e bola me permitiu encontrar habilidades, viver a competição, sentir o
gosto da disputa e o sabor da vitória e da derrota, sempre acreditando que
melhorar era uma questão de tempo e empenho.
Prefiro evitar datas e deixar, acompanhando
a forma de nossos registros: nesse caso, a lembrança de que eu jogo basquete,
embora não entre em uma quadra há algum intervalo de tempo entre 1 ou 30
anos..... em nossas lembranças, em nossos afetos, que diferença faz? Eu jogo
basquete, não importa há quanto tempo eu não o faça. Então, orgulhoso de poder
afinal trazer orgulho ao meu afilhado – ou a mim mesmo, hei de assumir – entrei
na quadra “senhor” da situação. Alguns arremessos logo de início pareceram
indicar que eu nunca havia saído dali, mas o início foi um lapso de tempo
distante do que se seguiu. A cesta estava muito mais alta, meu braços mais
pesados, meu corpo mais lento, e minha mente comandava movimentos que
simplesmente não eram executados, e faziam da glória esperada algo muito mais
parecido com uma comédia. Mas eu não estava brincando.... eu estava levando a
sério! Eu, afinal, sou – para todos os efeitos referidos à minha própria
maneira de me ver, ou seja, à minha própria identidade – um jogador de
basquete.
Outros episódios de falta – hoje mesmo
– já haviam marcado minhas então feridas percepções. Mas foi ali, naquele exato
momento, que eu percebi como é fácil ter sua voz, sua escrita, seu “jogo”,
deixados mudos quando não podemos ser ou corresponder a quem entendemos – ou antes,
experimentamos – ser.
Depois de uma ressaca moral de
movimentos desajeitados produzidos por um corpo que não é – evidentemente – mas
se faz, a cada dia, a cada gesto, e que além (ou acima) de tudo, atende
pelo nome de meu corpo, voltei para o calor da minha casa, envergonhado e
renovado.
De uma só vez eu havia
experimentado o vexame e o balanço.... da vida, do construir, do perseguir, do
perseverar, e do motivo de meu silêncio. Sim, o que me calava, ou antes, calava
a minha escrita (porque a minha boca parece ter vida própria!) era a vergonha. Limão
ou limonada? Uma vez entendida a prisão, é uma questão de saber-se ou não capaz
de superar suas cercas, seus arames, encontrar o equilíbrio para se esgueirar sobre
seus muros na direção da liberdade; passageira sim, mas recuperável enquanto
houver vida e sangue em minhas veias.
Após alguns anos estudando – e lendo
– autores extremamente capazes, cultos, embasados em suas colocações e testados
em suas teses, o temor da ingenuidade, da escrita rasa, da simplicidade, do
legível e acessível a todos, inibiram a minha escrita, que tem nesses elementos
uma de suas principais marcas.
Abriu-se hoje a chance de voltar
a desfrutar minha saborosa limonada! Simples, direta, legível, ampla, livre!
Repetindo uma fala de meu último
texto, aquele sim, impregnado pelo temor da vergonha, delibero retomar minha
pena..... estou de volta!
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