domingo, 6 de novembro de 2011

escolhas

Início de uma jornada
abandono de outra

uma decisão, uma aposta
nehuma afirmação!

Acertos, erros?
não, são só escolhas!

Às cegas
no escuro
pela crença, por ter que...

Haverá peso e graça nas jornadas eleitas

Olhar para trás
é não poder seguir

Evitar a decisão
é rasgar-se ao meio

Escolhas e velas
rezas e ventos
Que venham os bons tempos!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Texto que preparei para o encontro Música e Psicanálise

Sarau - Música e psicanálise

Nossa intenção é, em primeiro lugar, partilhar esse filme de estilo biográfico em que João Moreira Salles nos apresenta Nelson Freire, esse maravilhoso pianista brasileiro que, de menino prodígio a pianista maduro convidado às mais reservadas salas internacionais de concerto, fez da música a sua linguagem.

Sentado à frente do piano, olhos sempre inquietos e de uma profundidade comovente, Nelson Freire é um homem de poucas palavras. Sujeito tímido, reservado, contido em suas demonstrações de afeto, embora visivelmente à flor da pele, constantemente piscando vivamente a evitar as lágrimas, transbordando amor, paixão e encantamento. Tem a rara capacidade de dar vida ao instrumento - que inclusive trata como um ser com vontade própria - às partituras e às emoções e histórias dos compositores cujas obras ele interpreta. E tocando suas obras, toca as mentes e os corações dos que o escutam, cada um movido e impulsionado por seus próprios conteúdos, mas todos igualmente movidos em suas paixões pela força da música.

Historicamente falando, há registros de desenhos que datam de períodos muito anteriores à capacidade do homem de se expressar em palavras, onde aparecem instrumentos musicais, sejam rítmicos ou de percussão, ou mesmo instrumentos harmônicos, habitualmente de sopro. São também conhecidas as referências históricas que trazem o canto em suas formas mais rudimentares como anteriores à fala. E a música tem caminhado de mãos dadas com a humanidade, servindo para impulsionar os soldados à guerra, celebrar triunfos e abrandar sofrimentos, para enterrar nossos mortos e homenagear nossos célebres. É lugar comum dizer que a música é visceral, e de fato o é: o canto é impulsionado pelo diafragma e tem como “caixa de ressonância” o corpo do cantor, suas vísceras, sua face, sua cabeça. Na verdade, todo o corpo adquire uma função que, praticada e aprimorada transforma o próprio corpo humano em instrumento musical. Mas não é só o canto que modifica o interior do músico. O instrumentista tem seus sensos apurados e cria uma teia de conexões que o fazem perceber o instrumento como uma extensão dele mesmo, através da qual suas emoções fluem de forma a provocar nele mesmo, e naqueles que o escutam, uma maratona de reações afetivas e emocionais, da raiva à paixão, do terror ao sublime, do pavor ao alívio mais terno.

E cada indivíduo será tocado em sua singularidade, no que há de mais íntimo e subjetivo, construindo suas pontes carregadas de afeto, que talvez ascendam à palavra, mas que certamente produzirão seus efeitos.

E a psicanálise, arte de escutar o sujeito e dar lugar às suas questões e estruturação subjetivas, como a música, visa a modificar o indivíduo, não pela via da compreensão ou da apropriação consciente de seus determinantes psíquicos mas, à semelhança da música, pela aproximação de seus afetos, de suas marcas visitadas e resignificadas ao longo de uma biografia única, singular e pessoal.

Lembranças e afetos

Quando eu era menino, lembro de ouvir meu avô Clemente, figura de singular serenidade e sabedoria, médico do homem e da vida e sabedor do tempo e seus registros, dizer calmamente: "eu me sinto como se ainda tivesse 18 anos!". Importante dizer que não sei que idade ele tinha ao pronunciar aquelas palavras, mas posso calcular que ao redor de 80 anos. Mas me lembro, como se fosse hoje, sentado no tapete da sala de estar da casa do vovô "Mente" e da vovó "Mama", em Campinas, com as cortinas meio abertas, a deixar a claridade entrar sem o sol direto a ofuscar nossos olhos (ou os olhos daquela voz jovem, de alma jovem, de mente sábia) dos meus pensamentos de então... eu devia contar entre 5 ou 7 anos de idade e pensava: "como pode um "velhinho" se sentir como se tivesse 18 anos?"

O tempo passou e levou tantas coisas, inclusive o vovô Mente e a vovó Mama, mas nunca empalideceu suas lembranças. Sinto ainda o tapete sob minhas pernas cruzadas, no chão da sala, brincando com a "garagem de madeira" e com meus carrinhos de "matchbox". Sinto o cheiro das poltronas, vejo a luz através das cortinas que tinham um acabamento de cetim verde (suponho que aquilo era cetim), que combinava com a cor do sofá. Lembro dos olhos azuis e profundos do meu avô, e da sua voz firme e gentil dizendo "Xande". Ele tinha uma forma de acentuar o "Xan" que fazia de cada chamado por meu nome um acontecimento! Lembro da minha avó, de lado na cadeira de balanço, suas pernas cruzadas e seus pés com calos nos dedinhos. Eu queria ter os pés daquele jeito: gostava de passar as mãos neles, de fazer carinho na minha avó, e ver os dois se beijando à noite, antes de ir dormir. Ah, minha avó! Ela contava histórias, uma depois da outra, e dizia: "fulano era uma peça!". Foram dias muito felizes! Acho que devo muito do que eu sou, apesar dos defeitos (os meus, é claro!), àquele dois "velhinhos" que se sentiam tão jovens, e que sempre tinham algo a dizer e palavras para nos confortar. Quando íamos embora de carro, pedíamos que eles fossem nos dar tchau na "Rua Augusta". Não sei quem inventou esse nome, mas era na esquina da casa deles.... como tínhamos que dar a volta no quarteirão com o carro, eles caminhavam até a esquina, e quando passávamos eles nos davam tchau com as mãos. Eu pensava que era mágica, que eles iam voando, ou alguma coisa assim. Mas eles davam apenas alguns passos até a esquina.

Assim é o tempo! Alguns passos e o carro passou, o tempo passou, a esquina se foi, a vida levou!
Eu nunca vi meu avós tristes, nunca os vi chorarem, nunca os vi fraquejarem (exceto na doença que acabou por levar meu avô), e a cada dia entendo melhor o quanto meu avô estava certo. Hoje eu tenho 45 anos... mas tenho também 9, quando fui morar no Rio de Janeiro, tenho também 5, quando brincava no tapete da sala em Campinas, tenho também 18, quando "tirei carta", tenho tantas idades quantos registros minha memória traz. E as imagens não ficam amarelas como nas fotos. Os lugares não perdem o gosto, o cheiro, o frio na barriga, a emoção. Posso chorar hoje pela mesma dor que senti quando vi meu avô nos deixar, e sorrir o mesmo sorriso dos "tchauzinhos" na Rua Augusta.

O tempo, como tudo o que é abstrato, como também a morte e o espaço, simplesmente não tem registro "per se" na mente humana. Ele se escreve naquilo que inscreve, naquilo que inclui, naquilo que experimentamos e experenciamos.

Há pouco eu postei um vídeo (no FaceBook)sobre pessoas que vivem "no limite". Certamente não é a única receita, mas uma maneira de dar valor ao tempo, atribuir conteúdo, incluir a vida. E fazer a vida, levar a vida até o dia de ser levado por ela. É com a tinta da emoção que se escreve nas páginas do tempo!

Que possamos sempre nos lembrar disso, e fazer da vida nossos amores, nossos gostos, nossos prazeres, nossas conquistas. Celebrar a vida é sorrir com ela, por ela, sorrir dela, enfim! Se esse banquete tiver receita, que ela seja a entrega!!

Quando eu morrer

Um dia quando eu morrer
quero que seja bem alto
beijando de cara o asfalto
de costas pros trilhos do trem

Quero morrer de saudade
de veneno ou de maldade
por sorte de amar alguém

Quero morrer falando
defendendo a vida e pensando
se um norte essa vida tem

Quero morrer de sorte
com a faca nas mãos e a dor do corte
pois sorte é sentir a fundo
a dor e o prazer que se tem

Quero deixar amigos
e mais ainda inimigos
pois assim se cresce tão’bém

Quero fazer saudades
lembranças piadas, risadas
que riam das minhas tolices
e tolices são parte de mim
como os versos que escrevo pr’além

Quero a morte composta
do brilho do ouro e do cheiro de bosta
do gosto que a vida tem

Nossa casa

Às vezes penso na vida como uma grande casa, que abriga nossos dias, nossas noites, nossos sonhos.

Cada qual cuida da sua casa do seu próprio jeito, com os seus próprios recursos, com suas verdades, com seus segredos. Alguns tão secretos que nem o próprio travesseiro chega a conhecer. Elas carregam as marcas dos nossos dilemas, das nossas histórias. Acolhem nossas tristezas e guardam os nossos objetos de valor.

Quanto mais se vive, mais coisas haverá dentro de sua casa. Há quem coloque todas as fotos cuidadosamente em porta-retratos sobre os móveis, ou pendurados nas paredes. Há quem enfeite suas paredes com quadros, tapeçarias, pinturas. Há aqueles que enchem suas casas de móveis. Para outros, basta uma cama e um sofá... talvez uma tv e um som antigo com discos de vinil. Outros amam tecnologia, e têm todos os equipamentos de uma casa moderna,
de uma vida moderna em um mundo moderno (ou pós-moderno).

Quantas janelas cada um quer em sua casa? Quantas vistas e quantas visitas? Quantas chaves à porta, quantos cadeados ao portão? Onde dormem os cachorros, onde ficam as assombrações?

Mas uma pessoa é, acima de tudo, aquilo que guarda. Quantos armários, e quantas gavetas? Quanto pó encobre suas relíquias? Quantas “jóias” familiares permanecem intocadas há anos, escondidas nas gavetas das meias, lá no fundo, onde ninguém as pode encontrar? Sótãos e porões são abrigos perfeitos para tudo o que não foi usado, mas “um dia pode servir”. Mas escondem também as memórias que não puderam ser tocadas, as fotos que não ganharam um lugar sobre os móveis da sala, mas das quais não foi possível se desfazer. Como se livrar daquele primeiro vestido, daquela
camisola, daquele laço que embalava o primeiro presente de que se tem lembrança? Como queimar aquela carta, abrir aquele vinho, abrir aquele peito ardente de afeto, medo e saudade? E quando será a hora de livrar as próximas gerações da necessária “arrumação” depois da própria partida? Como perceber que a casa é uma estação? Como estar são diante de tudo aquilo que se vê e de tudo aquilo que não se quer ver?

Estadas, moradas, caminhos, gravidade, graça. Elevar-se acima dos telhados e poder ver as nuvens, a lua, a manhã que chega pintando no horizonte uma fina faixa vermelha. Curvar-se à beleza do que é, e aceitar a dura certeza do que poderia ser, mas não foi... Ser! Habitar cada canto do seu abrigo, das suas jornadas, dos seus desafios. Saber que ao fenecer, aquele lugar que um dia foi sua casa, deve poder abrigar novos sonhos. E afinal, desprender-se de tudo isso para poder viver.

O céu de Dante

Chegou o dia do tão anunciada churrasco de comemoração dos 100 anos do Colégio Dante Alighieri.

Entre as coincidências que nem tão coincidências devem ser, porque há muito mais razões em nossas ações do que somos capazes de imaginar ou entender (ou sequer perceber), eu me casei em 2005, portanto 21 anos depois de ter me formado no Dante, com uma também ex-aluna. Portanto o programa, que poderia ser de um só, era de igual valor e importância para o casal. E, já desistindo de falar em coincidências, moramos a 3 quarteirões do Dante, e quando era ao redor de 13:30hs, fomos andando até o colégio, com a mesma naturalidade com que cada um de nós fez esse caminho por tantos dias e tantos anos no passado.

Minha primeira impressão ao chegar lá foi bem desagradável: uma fila que começava no portão dos ônibus da Al Jaú, virava a Al Casa Branca e terminava na Al Itu tornara unânimes os comentários dos que se amontoavam para entrar no colégio: 100 anos e não aprenderam a organizar uma fila! Mas em um determinado momento a fila foi passando e a proximidade de rever tanta gente querida, guardada em um lugar tão único em nossas memórias foi tomando lugar, e as conversas começaram a se desenhar ao redor dos personagens de nossa própria história.

E foi assim, como se um portal se abrisse, que ultrapassamos a fila, o Sol, o calor, e entramos nas instalações absolutamente lotadas do nosso Dante! E tinha que estar lotada, como se cada pessoa representasse uma lembrança, como cada pedra daquele chão, e cada pedaço daquele lugar.

Eu saí do Dante em 1984, mas o Dante não saiu de mim. E não saiu do lugar! O tempo passou, mas a concretude das construções fala de histórias como se elas acontecessem hoje! E hoje fomos velhos alunos do Dante!

Essas coisas que marcam o abstrato com uma imagem são impressionantes: estavam lá muitos dos meu colegas de classe, no mesmo lugar. Era o mesmo chão, a mesma arquitetura que, por essas ironias da vida, só hoje eu pude apreciar em toda a sua beleza, as mesmas janelas, as mesmas paredes, algumas modificações, algumas quadras novas. Os degraus pequenos e vermelhos das escadas "palacianas" que levam ao pátio principal trazem a mesma sensação às mesmas pernas que reconhecem o caminho e, como mágica, podem se lançar por aqueles pedaços de nós sem o esforço que o corpo tem que fazer ao percorrer novos terrenos. Todas as memórias daqueles degraus, do chão do pátio, dos outros degraus que levam à parte mais baixa do pátio, tudo é estranhamente familiar e presente, embora a única coisa que ligue esses fragmentos de terrenos e histórias ao corpo de hoje é a memória.

O céu estava azul, como se brindasse a ocasião, conferindo cores vibrantes às pessoas, às lembranças, tentando iluminar as histórias que fizeram suas moradas na cabeça de cada uma das "infinitas" pessoas que ali estavam, e que as têm carregado ao longo dos anos, mantendo as estacas de seu, de nosso passado estudantil fincadas naqueles prédios como as colunas em "V" sob as salas de aula do prédio velhos.

E as histórias, que são muitas, são como o delta de um rio: elas seguem paralelas, se encontram em muitos lugares onde chegam a ser as mesmas, para depois se separarem e seguirem todas a caminho do mar. E lá desembocam, no oceano das lembranças somadas de todas as pessoas que produzem e dão sentido a um lugar, a uma instituição, a uma escola, a uma existência.

E todos ali sabiam da magia que se operava. Todos olhavam ansiosos os rostos uns dos outros, e não se furtavam a buscar no crachá a referência que pudesse construir a imagem desse grande delta de nossas vidas.

Buscavam as memórias, as paixões, as brincadeiras, os nomes, as provas.... buscavam a VIDA!
Sabemos que a vida escorre por nossas mãos e passa, inexorável pela ação do tempo. Mas ali havia uma janela que nos ligava, cada um à sua própria época, ao tempo onde aprendemos a caminhar por aquelas escadas, por aqueles corredores, por aquele pátio, por aquelas matérias, deixando nossas pegadas na vida dos outros e marcando nossa passagem pela vida deles, sem nem saber com quanta magia uma vida é ingenuamente vivida e pensada eterna e fixa no tempo, como aquele espaço que não se deixou modificar.

Que saudades! Saudades daquelas mesmas pessoas nos tempos em que éramos nós, mas ainda não sabíamos disso!

Eu tenho hoje em meu peito um profundo sentimento de gratidão! Agradeço a cada um de vocês, meus amigos, meus colegas, meus professores, à reunião fraterna que não se fez hoje, mas que celebramos hoje por termos escrito uma parte tão fundante e essencial de nossas vidas juntos! Hoje eu pude ver, com a clareza e a beleza do céu azul que nos iluminou, o quanto eu tenho todos e cada um de vocês junto comigo em cada manhã, em todo anoitecer, quando eu falo ou quando eu calo, quando escrevo e quando ouço as histórias que minha cabeça me conta, sobre um tempo que nos deu a sorte do convívio mais lindo que a vida pode conferir!

Foi, é e será sempre um prazer ter vocês em minha vida!

Ilusões

Há pessoas que são incapazes de habitar seus castelos por estarem ocupadas demais em sonhar com a queda de um desafeto:

Não partilham suas conquistas por temer a inveja;

Não usufruem das suas riquezas para não despertar a cobiça "dos outros";

Fecham as portas de suas casas e, dentro delas, as de seus armários, para que ninguém saiba o que lá está guardado.

A única coisa guardada, e que será lembrada da vida desses pobres seres será a sua incapacidade de viver. Quando as cortinas da vida se fecharem, nem aplausos, nem lágrimas... apenas o vazio mais denso de quem nunca plantou e não pode aprender o prazer de colher.

Viver

Em 1917 Freud escreve um texto sob o título de “luto e melancolia”. Descreve o processo de luto como a perda de um objeto “investido” de afeto. A falta do objeto deixa esse afeto “solto”, ou sem ligação, sem possibilidade de ser vivenciado e descarregado psiquicamente: por ações físicas, pelo contato, pela realização do amor.

O luto é algo recorrente na vida, e pode se relacionar a pessoas, a momentos, a épocas das nossas vidas, a amizades, a amores. Em todos os casos, o sujeito que perde seu objeto de amor, tem que construir a possibilidade de reinvestir esse afeto cujo laço objetal foi rompido. Esse investimento
acontece, em um primeiro momento, com o retorno desse afeto ao próprio sujeito, com a capacidade de se reinvestir desse amor, de voltar para si esse afeto cujo elo de ligação com a sua realização foi desfeito. A partir desse retorno “narcísico” do afeto cujo objeto se perdeu, é possível refazer ou construir ligações com outros objetos, com outras pessoas, outros amores, outros amigos, outros
momentos.

A idéia que me ocorre nesse texto é uma reflexão sobre essas infindáveis perdas, que vivenciamos diariamente e que, vez ou outra, nos fazem chorar compulsivamente ao escutar uma determinada música, assistir a um romance “água com açúcar”, ou ao ler certa passagem da vida de um personagem, real ou fictício, de um livro sobre o qual nos debruçamos.

As perdas são reparadas, os afetos são recuperados, reinvestidos, mas as marcas fazem parte de nós, como traços permanentes em nossas histórias e em nossa maneira de nos relacionarmos com o mundo. Viver uma perda é sofrer de uma ferida. Recuperar-se dela, é ver o tecido se refazendo, a inflamação diminuindo, saber que ela vai cessar de purgar e, eventualmente, sarar por completo. Mas é também ver nascer em seu lugar uma cicatriz, tão funda e visível quanto importante e séria foi a ferida.

Vivemos um vida marcados por nossas conquistas, por nossos amores, por nossa amizades, por nossa família. Somos cercados, criados, embalados e construídos em nossas relações com os outros, seja na sua experiência e felicidade, ou nas suas perdas e lutos.

Cicatrizes não doem, não sangram, não purgam. Mas, vez ou outra, nos fazem lembrar da beleza que as precedeu e, nesses momentos, entramos em contato com a magia e a dor, com a poesia e o fantasma, com a vida e com a falta dela.

É nesse pêndulo que nossa vida toma seu rumo. São nesses encontros e desencontros que nascemos, crescemos, somos felizes, sofremos, vivemos e morremos. São essas dores de feridas que não podemos tratar, porque já se foram com o tempo, embora suas lembranças e cicatrizes permaneçam por toda a nossa existência, que nos fazem temer o abismo, não pelo risco de cair, mas pelo desejo e de pular.

Esse é o ciclo da vida, espiral de experiências vividas e revividas, sonhadas, sentidas, relembradas. A vida não pode ser experimentada sem que seja construído um enorme castelo para abrigar o saldo inevitável e indelével de nossas saudades.

O equilibrista de verdade vai ter que encontrar seu caminho em uma corda bamba, passos estreitos e instáveis que oscilam entre o prazer e a dor. Alguém falou que seria fácil?

palavras

Ah, e lá as palavras
fazendo-se doces quando o amargo já está nas entranhas.

celebram,
despem-se,
despedem-se,
depedaçam.

promessas
véu sobre o que não se quer ver
a agarrar o que não é mais
início
          meio
                   fim
a vida não tem reticências!