domingo, 1 de janeiro de 2012

Dizer e repetir

Há um fenômeno curioso que se passa com as pessoas, provavelmente "desde que o mundo é mundo", mas que adquiriu um caráter muito mais abrangente nessa era em que pensamentos e informações são partilhados de forma tão ampla e rápida. Estou falando daquelas frases ou pensamentos que alguém lança, e que parecem fazer sentido, e as pessoas passam a repetir e usar como verdadeiros dogmas da felicidade, como elixires do bem viver.

Pois é exatamente sobre essa prática, e mais especificamente, sobre um desses "pensamentos" que eu gostaria de refletir um pouco nesse meu próprio espaço de "difusão de idéias". Falo de uma frase que vem muito bem emoldurada sobre o tempo (sempre ele, o senhor tempo, a mexer com a minha cabeça). Diz algo como: "o passado já se foi, o futuro é desconhecido, e a vida só existe no presente, por isso ele se chama presente. Viva o dia de hoje!"

É fácil pensar o quanto esse pensamento não é novo, se olharmos para a conhecida frase em latin que diz "Carpe Diem", e o quanto essa idéia vem sendo reeditada e relançada... mudam as formas, mudam as mídias, mas esse pensamento parece manter-se atraente e chamar a atenção das pessoas com muita frequência.

Fazendo o papel de advogado do diabo, afinal é para isso que pensamos (para poder repensar, revalidar ou rechaçar nossas verdades, ou as de outrem), venho questionar essa idéia, não em sua aparência perfeita e sua estética atraente, mas em suas bases e em sua viabilidade, considerando a própria essência do que é ser humano.

Um dos pilares sobre os quais o homem se constitui enquanto tal, e que o afastam imensamento do ser biológico que carregamos como parte de nós mesmos (esse é um assunto que exige um outro texto, mas uma coisa de cada vez....), é o fato de termos consciência da própria existência. Ou seja, bom ou mau, o ser humano sabe que existe, que nasceu um dia e que um dia irá morrer, assim como o próprio mundo conforme o conhecemos, as demais espécies, os planetas, o nosso próprio sistema solar, etc.

Um dos grandes investimentos humanos, do qual não conseguimos nos separar, é o de buscar respostas para as questões essenciais: quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Essa questão é tão ancestral quanto o próprio homem, que caminha pelas religiões, pelas filosofias, pelas psicologias, pela psicanálise, para se deparar com o sofrimento existencial, com o medo do vazio e a noção sobre a própria finitude e a de tudo e todos aqueles que amamos - e dos que não amamos também. Refletir sobre essas questões não é uma escolha, é uma "exigência" interna de todo o ser de fala, que teme o penhasco infinito da própria morte, o "vazio de si mesmo".

As disciplinas variam muito em abordar esses assuntos, indo de dogmas que prometem um conforto pela via de uma "crença a priori", a pensamentos que buscam a origem do universo, as tranformações da matéria, a evolução das espécies, a "energia" dos corpos. Os caminhos são infinitos, mas a ferida é a mesma: não sabemos quem somos, de onde viemos e para onde vamos, e não podemos responder absolutamente nada (de forma objetiva) sobre o que existe - se existe - depois da vida que conhecemos como nossa.

Como eu havia dito no início, o viver o presente é um pensamento que parece animar as pessoas e encorajá-las, como uma resposta para a "tal felicidade". O que estou tentando mostrar nessa pequena reflexão é que ele se enquadra perfeitamente, não pela via das respostas, mas pelo caminho do desapego (algo que também parece ter grande apelo atualmente), no combate à dor existencial de se saber mortal e impotente. Como todas as promessas que buscam responder a essa pergunta que parece não ter resposta, a única coisa que podemos esperar, ilusões à parte, é um alívio temporário e parcial com o antigo e remodelado "Carpe Diem", por mais atraente que possa parecer.

A dor de saber-se homem não tem cura. É possível viver, e seis bilhões de pessoas aproximadamente comprovam essa evidência estupenda, mas estaremos essencialmente, estruturalmente, como sempre estivemos, presos às dúvidas sobre nossa origem e destino. Em outras palavras, passado e futuro sempre terão lugar de destaque em nossas preocupações mais profundas e essenciais.

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