terça-feira, 31 de janeiro de 2012

E-mail de um amigo pelo meu aniversário

Esse blog tem sido, até o momento, um espaço em que venho publicando ensaios que vou escrevendo, aleatoriamente, conforme os pensamentos me ocorram e ganhem forma.

Mas acho que cabe, nesse momento fazer jus a outras pessoas, que me presenteiam com verdadeiras "obras de arte", enquanto sigo com minhas reflexões.

No último dia 24 eu completei 46 anos, e entre as muitas saudações e cumprimentos que recebi, um se destaca pela profundidade, pela forma aguda e perfeita, doída mas poética. E a pessoa que o enviou sempre me impressiona com a capacidade de bailar com as palavras, com a sagacidade, com a estética crua e sagaz. Ele foi meu colega no curso de formação em psicanálise, e uso seu próprio texto, que fala muito melhor do que qualquer palavra minha, para homenageá-lo e agradecer às suas contribuições, desde o curso de formação, até hoje (e por muitos anos, se os deuses dos tempos assim o permitirem).

Seu nome é Enival Melhado, e seu e-mail segue abaixo. Obrigado, Enival!


"Alexandre, meu caro, escrevo para desejar-lhe os melhores votos neste dia que você cumpre anos.

Nelson Rodrigue, o "flor de obsessão" recomendou aos jornalistas pretensiosos que envelhecessem. Também disse que o maior pecado do homem é ser jovem, ou por outra, que o jovem é quem comete os maiores pecados do mundo. Tem lá suas razões. Em nossos anos verdes, quando caminhávamos na praia e a areia era um enorme tapete "vermelho", tendo o imenso mar como coadjuvante e espectador da nossa doce arrogência, a alma se alimentava das grandes tempestades, e os bancos escolares - duros e frios - antecipavam a fase adulta que se avizinhava paulatinamente: dura e fria. Perdemos a inocência. Seguimos a receita do velho Nelson: envelhecemos. Perdemos a inocência.

Agora, diante do mar, outrora coadjuvante, objeto de nossos desafios e desdém, vemos  o reflexo do firmamento, esse que nos espera - ou o esperamos - cheio de mistérios, que nos transforma em pequenos grãos de areia que pavimentarão tapetes de futuras gerações de jovens pecadores, com suas imponentes narinas de defunto.

Receba meu melhor abraço.

Enival Melhado"

3 comentários:

  1. Esse Enival.... sempre bailando com as palavras. Saudades dos nossos debates, sempre muito intrigantes, mas sempre muito produtivos.
    Alcimeri Prata

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  2. O que pode ser dito com relação ao texto....o aniversário implica e da asas a escrtita , o Enival sagaz e simples começa a verificar de per si o mesmo momento que o Pastore - esta começando a vivenciar - as areias da beira do mar, da beira de nossos passeios, começam mesmo a ser recordações e também referência desta finitude que nos espanta e pensamos que poderíamos transpor...como não sei!!!
    O que se diz em um aniversário a quem cumpre anos - coisa de argentino - Primeiro Feliz Aniversário, depois tudo o mais. Ou seja seja MUITO FELIZ.
    Procurando sempre que lhe for permitido trazer ao outro - paciente ou não - a possibilidade de que ele também alcance a compreensão e a Felicidade.

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    Respostas
    1. Pois é, caro Wilson!
      Os anos registrados gradualmente em nossos corpos é uma incômoda, ainda que digna, lembrança do fim que nos espera, ou que nos espreita. Porque não temos notícias do outro lado, do que representa essa linha que separa os campos da vida ou da ausência dela. E ainda assim, seguimos comemorando, celebrando, sendo celebrados. Talvez a celebração vise confirmar que ainda estamos por aqui, ou atestar uns aos outros que esse é o mundo dos vivos.
      Mas, como bem diz o Enival, seguimos o conselho do "velho Nelson": envelhecemos! Considerando a alternativa, pretendo continuar envelhecendo, para poder partilhar com amigos e analisantes das tantas faces que nos apresenta o desafio da vida, e sem promessas vazias de uma felicidade ingênua, por mais que desejável, sigo dando lugar à palavra e suas operações milagrosas no mistério de ser humano.
      Grande abraço,

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