sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O céu de Dante

Chegou o dia do tão anunciada churrasco de comemoração dos 100 anos do Colégio Dante Alighieri.

Entre as coincidências que nem tão coincidências devem ser, porque há muito mais razões em nossas ações do que somos capazes de imaginar ou entender (ou sequer perceber), eu me casei em 2005, portanto 21 anos depois de ter me formado no Dante, com uma também ex-aluna. Portanto o programa, que poderia ser de um só, era de igual valor e importância para o casal. E, já desistindo de falar em coincidências, moramos a 3 quarteirões do Dante, e quando era ao redor de 13:30hs, fomos andando até o colégio, com a mesma naturalidade com que cada um de nós fez esse caminho por tantos dias e tantos anos no passado.

Minha primeira impressão ao chegar lá foi bem desagradável: uma fila que começava no portão dos ônibus da Al Jaú, virava a Al Casa Branca e terminava na Al Itu tornara unânimes os comentários dos que se amontoavam para entrar no colégio: 100 anos e não aprenderam a organizar uma fila! Mas em um determinado momento a fila foi passando e a proximidade de rever tanta gente querida, guardada em um lugar tão único em nossas memórias foi tomando lugar, e as conversas começaram a se desenhar ao redor dos personagens de nossa própria história.

E foi assim, como se um portal se abrisse, que ultrapassamos a fila, o Sol, o calor, e entramos nas instalações absolutamente lotadas do nosso Dante! E tinha que estar lotada, como se cada pessoa representasse uma lembrança, como cada pedra daquele chão, e cada pedaço daquele lugar.

Eu saí do Dante em 1984, mas o Dante não saiu de mim. E não saiu do lugar! O tempo passou, mas a concretude das construções fala de histórias como se elas acontecessem hoje! E hoje fomos velhos alunos do Dante!

Essas coisas que marcam o abstrato com uma imagem são impressionantes: estavam lá muitos dos meu colegas de classe, no mesmo lugar. Era o mesmo chão, a mesma arquitetura que, por essas ironias da vida, só hoje eu pude apreciar em toda a sua beleza, as mesmas janelas, as mesmas paredes, algumas modificações, algumas quadras novas. Os degraus pequenos e vermelhos das escadas "palacianas" que levam ao pátio principal trazem a mesma sensação às mesmas pernas que reconhecem o caminho e, como mágica, podem se lançar por aqueles pedaços de nós sem o esforço que o corpo tem que fazer ao percorrer novos terrenos. Todas as memórias daqueles degraus, do chão do pátio, dos outros degraus que levam à parte mais baixa do pátio, tudo é estranhamente familiar e presente, embora a única coisa que ligue esses fragmentos de terrenos e histórias ao corpo de hoje é a memória.

O céu estava azul, como se brindasse a ocasião, conferindo cores vibrantes às pessoas, às lembranças, tentando iluminar as histórias que fizeram suas moradas na cabeça de cada uma das "infinitas" pessoas que ali estavam, e que as têm carregado ao longo dos anos, mantendo as estacas de seu, de nosso passado estudantil fincadas naqueles prédios como as colunas em "V" sob as salas de aula do prédio velhos.

E as histórias, que são muitas, são como o delta de um rio: elas seguem paralelas, se encontram em muitos lugares onde chegam a ser as mesmas, para depois se separarem e seguirem todas a caminho do mar. E lá desembocam, no oceano das lembranças somadas de todas as pessoas que produzem e dão sentido a um lugar, a uma instituição, a uma escola, a uma existência.

E todos ali sabiam da magia que se operava. Todos olhavam ansiosos os rostos uns dos outros, e não se furtavam a buscar no crachá a referência que pudesse construir a imagem desse grande delta de nossas vidas.

Buscavam as memórias, as paixões, as brincadeiras, os nomes, as provas.... buscavam a VIDA!
Sabemos que a vida escorre por nossas mãos e passa, inexorável pela ação do tempo. Mas ali havia uma janela que nos ligava, cada um à sua própria época, ao tempo onde aprendemos a caminhar por aquelas escadas, por aqueles corredores, por aquele pátio, por aquelas matérias, deixando nossas pegadas na vida dos outros e marcando nossa passagem pela vida deles, sem nem saber com quanta magia uma vida é ingenuamente vivida e pensada eterna e fixa no tempo, como aquele espaço que não se deixou modificar.

Que saudades! Saudades daquelas mesmas pessoas nos tempos em que éramos nós, mas ainda não sabíamos disso!

Eu tenho hoje em meu peito um profundo sentimento de gratidão! Agradeço a cada um de vocês, meus amigos, meus colegas, meus professores, à reunião fraterna que não se fez hoje, mas que celebramos hoje por termos escrito uma parte tão fundante e essencial de nossas vidas juntos! Hoje eu pude ver, com a clareza e a beleza do céu azul que nos iluminou, o quanto eu tenho todos e cada um de vocês junto comigo em cada manhã, em todo anoitecer, quando eu falo ou quando eu calo, quando escrevo e quando ouço as histórias que minha cabeça me conta, sobre um tempo que nos deu a sorte do convívio mais lindo que a vida pode conferir!

Foi, é e será sempre um prazer ter vocês em minha vida!

3 comentários:

  1. Alexandre, meu caro, impossível ficar imune a um olho úmido diante da descrição do passado no Dante. Até eu - e toda a humanidade - estudou lá. Abraços. Enival

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  2. Meu caro Enival:
    Seu comentário era esperado e, como sempre, muito bem vindo.
    Esperado porque, ao longo de três anos de convivência semanal no curso de formação, e quase diária em e-mails e observações, você foi sempre o carro chefe.... o maior e mais instigante promotor dos debates e discussões mais ricos que o curso nos proporcionou.
    Homem apaixonado pelas letras e suas infinitas possibilidades, você foi sempre generoso em partilhar conosco suas leituras e reflexões, e nos trazer as fantasias iluminadas dos contos, das narrativas, das histórias de tantos outros.
    Espero poder contar sempre com seu olhar, com seus comentários, com sua escuta, e fazer dos meus textos algo que possa promover, "Enivalmente" um olhar para si e para o outro, uma visão para além dos muros e seus limites tão mesquinhos.
    Abraço do amigo,
    Alexandre

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  3. Alexandre, imagina! Fui apenas um moço metido que tentou compartilhar algum conhecimento que teve diante da vida. Alí demos no nosso melhor, porque o momento pedia isso. Grupo seleto, cada um com sua singularidade. De qualquer forma fiquei super feliz ao saber que cooperei. E você, meu caro? Com essa bagagem enorme (Mahler, livros devorados, cultura geral, berço explêndido) nunca, em momento algum foi pedante ou metido como esse que lhe escreve. Que generosidade, meu caro! Esse lugar que o seus escritos me coloca é seu com honras e méritos.

    Desfrutei o que escreveu para testemunhar sobre a sogra querida, tomei para mim em todos os sentidos: no coração para não esquecer, na alma para me inspirar e imprimi para colocar na parede aqui do escritório. Um pedaço da eternidade em poucas linhas fica a minha vista para uma leitura rápida e inspiradora.

    Despeço-me no meu estilo cristão: que o Deus que realiza sonhos que ele mesmo coloca em nosso coração lhe dê um final de ano maravilhoso cheio de coisas boas para comemorar, e que a passagem que tanto nos faz lembrar os que se foram, seja doce e suave.

    Seu amigo abraça sua família. Enival

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