sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nossa casa

Às vezes penso na vida como uma grande casa, que abriga nossos dias, nossas noites, nossos sonhos.

Cada qual cuida da sua casa do seu próprio jeito, com os seus próprios recursos, com suas verdades, com seus segredos. Alguns tão secretos que nem o próprio travesseiro chega a conhecer. Elas carregam as marcas dos nossos dilemas, das nossas histórias. Acolhem nossas tristezas e guardam os nossos objetos de valor.

Quanto mais se vive, mais coisas haverá dentro de sua casa. Há quem coloque todas as fotos cuidadosamente em porta-retratos sobre os móveis, ou pendurados nas paredes. Há quem enfeite suas paredes com quadros, tapeçarias, pinturas. Há aqueles que enchem suas casas de móveis. Para outros, basta uma cama e um sofá... talvez uma tv e um som antigo com discos de vinil. Outros amam tecnologia, e têm todos os equipamentos de uma casa moderna,
de uma vida moderna em um mundo moderno (ou pós-moderno).

Quantas janelas cada um quer em sua casa? Quantas vistas e quantas visitas? Quantas chaves à porta, quantos cadeados ao portão? Onde dormem os cachorros, onde ficam as assombrações?

Mas uma pessoa é, acima de tudo, aquilo que guarda. Quantos armários, e quantas gavetas? Quanto pó encobre suas relíquias? Quantas “jóias” familiares permanecem intocadas há anos, escondidas nas gavetas das meias, lá no fundo, onde ninguém as pode encontrar? Sótãos e porões são abrigos perfeitos para tudo o que não foi usado, mas “um dia pode servir”. Mas escondem também as memórias que não puderam ser tocadas, as fotos que não ganharam um lugar sobre os móveis da sala, mas das quais não foi possível se desfazer. Como se livrar daquele primeiro vestido, daquela
camisola, daquele laço que embalava o primeiro presente de que se tem lembrança? Como queimar aquela carta, abrir aquele vinho, abrir aquele peito ardente de afeto, medo e saudade? E quando será a hora de livrar as próximas gerações da necessária “arrumação” depois da própria partida? Como perceber que a casa é uma estação? Como estar são diante de tudo aquilo que se vê e de tudo aquilo que não se quer ver?

Estadas, moradas, caminhos, gravidade, graça. Elevar-se acima dos telhados e poder ver as nuvens, a lua, a manhã que chega pintando no horizonte uma fina faixa vermelha. Curvar-se à beleza do que é, e aceitar a dura certeza do que poderia ser, mas não foi... Ser! Habitar cada canto do seu abrigo, das suas jornadas, dos seus desafios. Saber que ao fenecer, aquele lugar que um dia foi sua casa, deve poder abrigar novos sonhos. E afinal, desprender-se de tudo isso para poder viver.

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